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Évora, Capital Europeia da Cultura em 2027. Será? Afinal, é a capital do Alentejo! Fotografia - https://paulobritesfotografia.blogspot.com/ |
Évora, Capital Europeia da Cultura em 2027. Será? Afinal, é a capital do Alentejo!
Évora, essa jóia empoeirada, relíquia da UNESCO, centro histórico intocável — não porque está perfeitamente preservado, mas porque o tempo decidiu que era melhor não mexer mais naquilo. Uma cidade onde o passado nunca passa, e onde as paredes, que deviam sussurrar segredos dos tempos romanos, godos, árabes e medievais, acabaram por se calar e resignar ao desgaste dos anos.
Évora é a alma do Alentejo, a “capital da calma”, a terra onde o tempo parou, ou talvez o tempo simplesmente tenha desistido. Só a UNESCO para a obrigar a continuar de pé — uma imponência medieval com um toque de desgaste pós-moderno.
Rica, riquíssima, de património, essa Évora. E não falo só da imponente Sé ou do Templo Romano que, no fundo, são os rostos sorridentes para a fotografia. Falo da riqueza de um passado que deu a Portugal e ao mundo artistas, pensadores e poetas, alguns dos melhores cérebros que o país, muitas vezes, não soube aproveitar. Terra de tantos cérebros que fizeram questão de passar por cá e deixar um rasto de glória — que hoje se confunde um pouco com o pó das pedras, admita-se.
Desde sempre, Évora foi o refúgio preferido de almas inquietas e mentes geniais, um pequeno epicentro de luz no Alentejo, capaz de atrair nomes tão variados como Frei Manuel do Cenáculo, o Bispo iluminista que fez questão de transformar Évora numa capital do saber, e André de Resende, o humanista que, no século XVI, encheu a cidade de ideias novas e que é, só por acaso, considerado o “pai da arqueologia portuguesa.” Quem diz que o Alentejo só dá trigo e vinho nunca percebeu a profundidade dessa terra fértil — que também produziu pensadores de alto gabarito.
Falo também da passagem de Florbela Espanca, essa poetiza que capturou como ninguém o sentimento de uma cidade que vive ao ritmo da saudade e da solidão. E o que dizer de Garcia de Resende, cronista de reis e cavaleiros, que retratou a grandiosidade e a decadência de um país que ainda nem se tinha apercebido da sua própria vocação para o desastre romântico? E até Santo Agostinho deixou o seu nome gravado no espírito eborense, inspirado, dizem, pelas noites pacíficas desta cidade que já era mística antes de ser “património.” Aqui, as pedras quase falam, e seria de bom-tom ouvi-las de vez em quando.
Évora não foi só um local de passagem para esses grandes nomes; foi uma musa, uma cúmplice e, tantas vezes, a inspiração direta. Uma cidade onde um templo romano desafia os séculos, onde a Sé — enorme e gótica, austera e imponente — mantém um olhar sério sobre tudo e todos. Foi por aqui que António José Saraiva, um dos maiores historiadores da nossa literatura, passou os seus anos formativos. E Évora também tem no currículo o Cardeal-Rei D. Henrique, que fez da cidade uma espécie de capital espiritual do reino.
Évora, Capital Europeia da Cultura em 2027
Então, vamos lá falar de 2027. Cidade Europeia da Cultura, dizem eles. Ora, isso seria lindo de se ver: Évora, a mesma que alberga a Biblioteca Pública, a mesma que viu fundar a Universidade em 1559, convertida num farol de cultura e fábrica de ideias. Que todos esses nomes — esses Resendes, Cenáculos, Florbelas e Agostinhos — não sejam apenas memórias gastas, mas chamas vivas, inspirando um programa cultural à altura da sua grandiosidade. Mas 2027 não deveria ser só uma desculpa para chamar a atenção para a cultura e património. A grandeza de Évora tem de ir além da sua “casca” histórica, há que dar uma vida nova a essa alma antiga.
Évora tinha e tem, como há poucos lugares, a capacidade de nos fazer sentir pequenos e grandes ao mesmo tempo. Uma cidade que brilhou no Renascimento como centro intelectual.
Mas e o futuro? Bom, em 2027, Évora será, espera-se, a Cidade Europeia da Cultura. Só que o “será” não é uma certeza; é um suspiro de esperança. E, se formos honestos, uma cidade europeia da cultura não é só uma coisa que se põe numa faixa pendurada numa varanda. Seria uma oportunidade única para renovar e celebrar a cultura de um Alentejo que precisa urgentemente de ar fresco — ou pelo menos de uma pintura nova para o centro histórico.
Seria uma forma de honrar a sua história sem a deixar fossilizar. Quem sabe, até, aproveitar os milhões de euros que esses títulos trazem para restaurar não só as pedras, mas a alma das gentes, convidando novos habitantes, novos artistas e quem sabe algum empresário destemido que transforme a cidade em algo mais do que um postal de saudades.
Évora é, afinal, a capital do Alentejo. Uma posição importante, sim, mas que parece ter dado mais orgulho do que responsabilidade nos últimos anos. Há zonas abandonadas que resistem em silêncio, casas históricas fechadas e ruas onde o seu brilho foi substituído por ervas daninhas. Uma cidade onde parece que o governo, governantes e até os habitantes, decidiram que o abandono também faz parte do charme.
A capital do Alentejo merecia mais — e nós merecemos uma Évora viva, não uma fotografia amarelada e empobrecida. Em 2027, esta cidade merecia, no mínimo, uma reviravolta. É que, como capital, Évora precisa de assumir um papel central para além da geografia: ser líder regional, uma fonte de dinamismo, inovação e, até, uma voz para o resto do Alentejo e um grito para o país, como o foi em 1640.
Então, se é para nos dar o título de Cidade Europeia da Cultura, que o façam como se fosse um empurrão e não um arranjo temporário. Que a Évora de 2027 possa recuperar o brilho que teve, com uma visão para o futuro que vá além de restaurar o passado. Se a cidade é de facto um património da humanidade, que tal cuidá-la como merece? Porque, no fundo, Évora é Portugal — no melhor e o pior.
Se acredito? Bem, até eu que sou um ateu agnóstico e praticante, aludo aos céus: Que Deus nos ajude!
Paulo Brites
Out/2024
Évora - Alentejo - Cultura - Textos - Paulo Brites
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