O Cante Alentejano, o vinho … e Reguengos de Monsaraz

O Cante Alentejano, o vinho … e Reguengos de Monsaraz

“Imaterialidade é tudo aquilo que se sente mas não contém matéria” esta é uma das muitas definições que se poderá dar às coisas “imateriais” da nossa vida, cultura, heranças ou mesmo de nós próprios.

De entre as muitas coisas que a riqueza de ser Alentejano nos dá, existe por exemplo, o Cante! O Cante Alentejano, esse mesmo que a UNESCO imortalizou, como património da humanidade.

Compreendo e aliás, venero tão nobre “coisa” e muito me apraz ver e viver num Alentejo, onde, cada vez mais, se vêm jovem de todas as idades, a dar vida, a esta “Imaterialidade Alentejana”.

O Cante Alentejano, o vinho … e Reguengos de Monsaraz


Dizem as gentes, que a memória é por natureza curta, não dá para tudo, não cabe lá tudo. Sim, é verdade! Vivemos num mundo cheio de informação e estímulos, o que vai ficando na memória é, ao que parece, cada vez mais temporário.    

No entanto e como forma de manter essa memória, temos coisas “Imateriais”, como o nosso “Cante”. A mim, emociona-me, quando oiço grupos de homens ou mulheres unidos pela voz, pelas “modas” que retratam as alegres e felizes, bem como, as duras e tristes histórias, que felizmente, lá vão passando de boca em boca, sem paradeiro.

Não vou nem quero entrar em muitos detalhes sobre a origem do “Cante”, mas quero, salientar que na sua génese está acima de tudo, a humildade alentejana! O Cante, sempre foi a forma que as classes mais desfavorecidas, tinham para passar as suas horas de sacrifícios. Neste mesmo Cante é claro que lá está também a corte, à sua amada.

As adiafas eram os pontos altos na luta diária do trabalho, as festas e devoções da crença religiosa tinha também a sua importância, no entanto o Cante sempre foi, sinónimo de liberdade unificadora.

Depois da jornada de trabalho, nas tabernas (porque os cafés eram para os ricos e eles pouco cantavam), nas ruas, no largo da Aldeia ou da Vila, em qualquer que fosse o local, lá se cantava e, felizmente se canta. Um começa … faz o ponto, por norma a voz mais precisa, depois, vem o alto, uma voz mais aguda e, por fim o coro.

Mas esse património imaterial está e, sempre esteve, ligado a outros patrimónios, de entre eles e como já referi “as tabernas”. Sim, era essencialmente nas tabernas, que mais se cantava!

Por este Alentejo existem ainda muitas tabernas! Tabernas essas que em alguns casos, ainda mantêm produção de vinhos em talhas, outras há, que sucumbiram ao poder económico e financeiro. Hoje servem vinhos das cooperativas agrícolas, embalados em “sacos plásticos”, mas que não perderam a sua qualidade.   

Embora Reguengos de Monsaraz (que é a minha terra), não tenha as tradições no Cante Alentejano, como por exemplo, a margem esquerda do rio Guadiana ou de uma forma geral o Baixo Alentejo mas, sempre foi algo de muito forte, que felizmente existe e se recomenda, porque de facto, está vivo e bem vivo …

No entanto, Reguengos de Monsaraz, que se auto denominou como a “Capital do Vinho e da Vinha em Portugal”, abandonou por completo no final da década de 1980 início de 1990 as “tabernas”, em que esse Cante, tinha e continua a ter, a sua grande força.

Tínhamos talvez duas dezenas de tabernas nessas décadas (neste momento não existe nenhuma), tabernas essas, que com a chegada de mais uns trocados na carteira e a mania “das riquezas”, “vaidosísmos” e “grandezas”, foram totalmente ou parcialmente destruídas. Esse abandono, também ele, foi político (não teve e continua a não ter capacidade para salvaguardar a nossa identidade).

Deram origem a lojas dos chineses, ou a outras actividades, sem qualquer caracterização ou mesmo fundamento. Foi destruído muito do nosso património “material”, património esse, que infelizmente não vejo interesse, por parte de responsáveis autárquicos, em recuperar.

Pergunto eu, então não era suposto na “Capital do Vinho e da Vinha de Portugal”, existir espaços (Tabernas e Adegas), em que, os seus habitantes e visitantes, pudessem degustar de um bom vinho? De um bom petisco? Cantar e ouvir um pouco dessa “Imaterialidade Alentejana” que é o Cante?

As riquezas que perduram são aquelas que se instalam num lugar, quer ele seja, físico, sensorial ou mesmo na nossa memória. São esses lugares que enchem a alma de um povo, que lhe dão significados e lhe conferem, a digna humanidade, a digna profundidade.

Numa terra que já foi de vinho, tabernas e adegas, em que o Cante Alentejano, sempre esteve presente, deveríamos olhar um pouco mais para nós próprios, deixar o que fica bem nas “televisões” e bonito nas “selfis” e, redireccionar, enquanto ainda é tempo (se tal ainda é possível), para aquilo que era a nossa identidade. Procuremos mais a imaterialidade das coisas!

Sejamos Cante, vinho, e que nunca se perca, a memória de um povo. Neste caso, de uma grande vila que já foi, que por agora, não está a conseguir ser cidade!

Beijinhos

Esta publicação foi originalmente publicada em https://paulobrites.blogs.sapo.pt/


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