O Estado, essa Entidade Imaginária, Poética, sem Culpas ou Responsabilidade



O Estado, essa Entidade Imaginária, Poética, sem Culpas ou Responsabilidade
Fachada da frente do palácio São Bento - Residência Oficial do Primeiro Ministro - Lisboa - Portugal
Fotografia - Pedro Emanuel Pereira | Dreamstime.com


O Estado, essa Entidade Imaginária, Poética, sem Culpas ou Responsabilidade



Em Portugal, temos uma tradição, uma daquelas tão boas e enraizadas que ninguém ousa questionar. É a tradição do Estado-paga-tudo-e-o-povo-aceita. Ora, nós, portugueses, somos conhecidos pelo nosso apurado sentido de conformismo. 


Desde que inventámos a saudade, adotámos também a arte de dizer "é a vida" e seguir com o que temos. E com o que não temos. Aconteça o que acontecer, por mais escandaloso que seja, é ver o povo de olhos baixos a murmurar: “Ah, o Estado é que tem de resolver.” Como se o Estado fosse um ente independente, um pai rigoroso mas justo, sempre pronto a pagar a conta dos filhos rebeldes.

Acontecem tragédias, perdem-se vidas, surgem escândalos e, no final, já sabemos o que vem: "O Estado deve compensar." Mas, por que carga de água é o "Estado" que tem de pagar? E, mais importante ainda: quem é que paga, afinal?


O Estado Não Paga: Quem Paga Somos Nós


Somos nós. É o nosso dinheiro, os nossos impostos, as horas de trabalho que entregamos ao fisco e ao futuro. Mas ninguém parece fazer essa ligação. Para a maioria, o "Estado" é uma entidade vaga, flutuante, que nos deve tudo e não nos cobra nada. Não se fala, por exemplo, em responsabilizar as pessoas que estão à frente do Estado – esses ministros, governantes, secretários e diretores que, numa cadeia de decisões falhadas ou ausentes, tornam possíveis as piores tragédias. Não, a responsabilidade fica sempre do lado de lá, do lado invisível e conveniente da narrativa: "O Estado resolverá." E nós, obedientes, aceitamos.

Ninguém se lembra de dizer – aliás, de gritar! – que o Estado somos nós. Que cada euro, cada cêntimo gasto é nosso, saído dos nossos bolsos, dos nossos impostos, das nossas vidas. Porque na nossa narrativa folclórica o Estado é essa entidade cósmica, flutuando acima dos pobres mortais, a resolver (ou ignorar) problemas, e nós cá em baixo, passivos, a assistir. Não há um único murmúrio de revolta! 


De Quem é a Culpa? Do Estado ou de Quem Governa


Vamos a um caso prático: o escândalo recente do INEM. Dez mortos devido a falhas nos serviços de emergência e agora, como mandam as boas práticas portuguesas, fala-se em indemnizar as famílias, quem sabe se com cerimónia e uma comitiva ministerial a distribuir lenços brancos e explicações “técnicas”; e as indemnizações, claro, hão-de vir do orçamento do Estado – ou seja, do nosso bolso. Mas nem se questiona que a ministra ou qualquer outro responsável meta a mão à carteira. Não. Em Portugal, a grande solução é sempre a mesma: demissão, discurso grave e, zás, está resolvido.

Dez vidas perdidas, supostamente por falhas do sistema de emergência ou de quem o deveria gerir e organizar. Alguém vai ser responsabilizado? Alguma figura pública, algum dirigente veio à praça, com a coragem de dizer "a culpa é nossa, eu falhei"! Nem pensar. Aparecem os rostos compungidos, ouvem-se as desculpas formais. Nada. Porque ninguém é chamado à responsabilidade, porque ninguém tem de sofrer consequências por incompetência. 


A Tradição Portuguesa de Não Exigir Responsabilidade a Quem Manda


E ninguém, nem um jornalista atrevido, nem um deputado mais afoito, parece fazer a pergunta óbvia: mas porque raio é que quem paga pelos erros do Estado somos nós? Se o Estado somos nós, então quem são eles que estão no comando e nunca pagam pelas suas irresponsabilidades?

No fundo, não se trata só do que chamam “responsabilidade política” – um conceito etéreo que significa apenas que o ministro ou a ministra em questão vai “assumir” o erro e pedir desculpa com o devido tom solene (importante). E cá estamos nós a confundir “assumir o erro” com assumir a conta. As indemnizações vêm, os milhões saem do nosso imposto e quem decide onde se gasta sorri, a milhas de distância da dor e da dívida. Isto já não é paternalismo – é um esquema financeiro! Não é o Estado a resolver nada; somos nós a pagar, e eles, os de lá de cima, a passar.


O Mito do Estado-Salvador e o Povo Que Aceita Tudo


E, assim, voltamos ao mesmo ciclo. Os ministros e os governantes, os tais que deveriam ser os primeiros a dar explicações, a responder por negligências e falhas, continuam a passar a vida entre cerimónias e discursos. Continuam impunes, escudados na ideia cómoda de que o “Estado” vai tratar de tudo. No fim do dia, somos nós que financiamos, enquanto o Governo e os seus ministros sacodem as mãos e continuam tranquilos, a olhar-nos com um leve sorriso de quem já sabe que “Estado” é apenas o nosso jeito português de não querer responsabilizar ninguém.

Não, o Estado não é um poço sem fundo, não é um papá que financia a má gestão, a incompetência e a falta de responsabilidade. O Estado somos nós. E é altura de dizermos, com toda a clareza: chega de desculpas, chega de passividade, chega de histórias. Quem governa tem de pagar, tem de responder, tem de ser chamado à responsabilidade. E nós temos de parar de achar que o Estado está lá para os proteger de nós!


O Estado Somos Nós: Não Há Poço Sem Fundo para os Erros dos Governantes


Todos os profissionais, no desempenho da sua atividade e das suas obrigações, se falham (ou mesmo sem falhar), é de imediato aberto um processo de averiguação e responsabilidade civil ou mesmo, criminal. Todos! Todos menos alguns é claro! Os políticos são uma casta à parte, impotáveis e impotável! Embora comesse a ser proibido utilizar o verbo chega, eu não me importo nem acato essas pseudo-proibições barrocas que na sua utilização nos querem colar a algo que não seja o simples verbo. E digo: Temos mesmo que gritar CHEGA! Já chega! 

Paulo Brites
2024.11.12


Atualidade - Politica - Opinião 


Enviar um comentário

0 Comentários