Promiscuidade Política em Mesa Posta


Promiscuidade Política em Mesa Posta



Promiscuidade Política em Mesa Posta


Num restaurante com uma sala ao fundo, iluminados por um candeeiro que já vira dias melhores, sentam-se o Ministro e o Almirante. É um restaurante banal, desses onde se disfarçam as conversas importantes com o som das facas nos pratos, onde os empregados de mesa fingem não ouvir, mas ouvem. Um lugar onde a promiscuidade política não só se tolera como se tempera com vinho caro.


Deduzo que o Ministro falasse num tom baixo, conspirativo, como quem vende sonhos em parcelas. O Almirante, Chefe do Estado-Maior da Armada, deve ter respondido com o olhar frio de quem aprendeu a comandar homens pelo silêncio. Naquele momento, contudo, não comandava navios nem marés, mas esperanças mal disfarçadas de poder presidencial. A conversa deve ter cheirado a tudo menos a estratégia militar, deve ter sido “votos”, a promessas de palácios e banquetes maiores.


O Ministro, o Mestre de Cerimónias


Se o serviço à pátria fosse mais nobre do que as ambições que ali fermentaram, talvez o Almirante estivesse preocupado com submarinos enferrujados, navios avariados e encostados, ou com marinheiros esquecidos. Mas não. Ali, naquele jantar, o fardamento transformou-se num traje cerimonial de um baile de máscaras, e o Ministro, com um sorriso que deveria tresandar a cinismo, fazia o papel do mestre-de-cerimónias.

A condição militar na política tem destas ironias: nas trincheiras da governação, não há hierarquias de galões, só conveniências. O Almirante, homem de mar, deveria navegar pelos códigos da honra, mas ao jantar dessa forma, é apenas mais um, à deriva num oceano de interesses. 


Uma Exposição Deliberada


Deduzo que o jantar deva ter sido o prelúdio. A conversa sobre estratégias eleitorais, as insinuações sobre apoios discretos, tudo isso apenas nas entradas. O prato principal deverá vir mais tarde, servido no palco público, onde o Almirante, já despido de neutralidade, se apresenta como candidato. O Ministro, como apoiante. E o povo, como sempre, será convocado não para decidir, mas para validar decisões tomadas em jantares como estes.

A promiscuidade na política portuguesa não é um acidente, é uma prática consagrada. E a farda, que deveria simbolizar serviço e sacrifício, torna-se, nestas alturas, um adorno conveniente, um símbolo reciclado para uma causa que pouco tem de nobre. No fundo, o que ali se deve ter discutido não foi a República, nem a Pátria, nem o Futuro. Foi um cargo, um título, mais um episódio deste teatro medíocre onde os protagonistas mudam, mas os enredos permanecem os mesmos.


Uma Exposição Deliberada


Não havia necessidade da encenação pública. Uma conversa tão privada, carregada de implicações, poderia ter decorrido longe de olhos curiosos, entre quatro paredes blindadas. Mas não. A escolha do espaço, quase como uma provocação, foi também uma mensagem: as decisões que moldam o futuro da República são muitas vezes cozinhadas à vista de todos, porque já não há vergonha. O poder, afinal, já não precisa de se esconder – exibe-se.


Ficção ou Realidade?


Este acontecimento poderia ser um excerto retirado de um qualquer romance de ficção política, daqueles que exploram a hipocrisia das elites com personagens que parecem saídas de uma peça de teatro mal encenada. Poderia ser inventado, mas não foi. O jantar e o cenário existiram, num restaurante de Lisboa, a grande capital da Nação, em tudo semelhante a noites em Casablanca ou no Cairo.

Um acontecimento que é tão português quanto as calçadas tortas e o fado que ecoa pelas esquinas. Uma trama em que política, ambição e o peso da farda se misturam como ingredientes de um prato servido frio, mas indigesto. E nós, pobres espectadores, continuamos a aplaudir. Não havia necessidade … 

Paulo Brites
2024.11.21

Fotografia - https://expresso.pt/ - Autor desconhecido


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