Ser Professor em Portugal: A Arte de Sobreviver ao Impossível

 

Ser Professor em Portugal: A Arte de Sobreviver ao Impossível


Ser Professor em Portugal: A Arte de Sobreviver ao Impossível


Ah, ser professor em Portugal hoje! Uma profissão outrora nobre, agora uma espécie de estágio permanente para Jedi, mas sem sabres de luz, apenas com um computador pré-histórico e a sensação de que a Força se esgotou no primeiro período do ano letivo.


Primeiro, o professor moderno deve estar devidamente equipado com o seu arsenal digital. Não falo de ferramentas pedagógicas inovadoras, mas de algo muito mais sofisticado: 1 dúzia e meia de plataformas digitais de reuniões on-line. Microsoft Teams, Zoom, Google Meet, Moodle, e … uma ou outra que o Ministério da Educação inventou numa sexta-feira à tarde só para baralhar ainda mais. 

Cada uma tem as suas próprias passwords (apontadas na agenda do professor para não serem esquecidas) e funcionalidades (que não funcionam). Passa-se mais tempo a tentar entrar na reunião do que a falar sobre a ordem de trabalhos. Isso quando existe ordem de trabalhos. Muitas vezes, quem convocou a reunião já nem se lembra o porquê. Somente quer uma reunião! Porque tem poder para isso! Porque gosta! E gostos não se discutem, aceitam-se.


Hierarquias Escolares: Entre Coordenadores e Pares Pedagógicos


Depois, há a burocracia. Ah, a nossa velha amiga. O professor é essencialmente um funcionário do Excel, o que é irónico porque a maioria nunca aprendeu a fazer uma fórmula. Pautas, grelhas, gráficos, relatórios. Tudo preenchido com rigor, à espera de ser ignorado por alguém no Ministério. E, se não bastasse, o diretor da escola pede sempre "mais uma coisinha". Essa "coisinha" geralmente envolve um ficheiro com 38 abas, cada uma mais inútil que a anterior e todas elas, bem “regadas” de erros nas suas fórmulas. Que depois, passam 3 semanas a tentar corrigir esses erros. 

Mas o verdadeiro desafio começa quando têm de lidar com as hierarquias internas. A coordenadora de diretores de turma (ou de qualquer outra coisa) é uma mistura de chefe de sala de aula e inspetor do trabalho, com um talento especial para transformar qualquer questão numa reunião de duas horas. O par pedagógico? Uma espécie de casamento forçado, sem lua-de-mel, e com muitas discussões sobre métodos de ensino que ninguém vai seguir.

E não podemos esquecer o papel do professor como secretário não-remunerado dos docentes de educação especial. Eles pedem ajuda para preencher um relatório de 52 páginas sobre cada aluno que requer apoio. Depois, é necessário identificar os alunos com necessidades especiais, o que geralmente envolve preencher mais formulários, desta vez com campos coloridos para aumentar o sofrimento visual.


A Comissão Nacional de Direitos e Outras Alegrias


Quando finalmente pensamos que o dia acabou, aparece a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens. Aqui, o professor tem de explicar, de forma clara e concisa, porque um aluno faltou dois dias seguidos ou porque atirou um apagador à cabeça de outro. Ao seu lado, uma comitiva de assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais e, provavelmente, um xamã, todos prontos para complicar ainda mais a conversa.

Claro que o Ministério da Justiça também quer a sua fatia. Pedem relatórios sobre "integrações" com tanta frequência que começamos a acreditar que os nossos alunos são peças de um enorme puzzle nacional.


Alunos com Dificuldades: Não Ensinar Também é Ensinar


E, como toque final, há os alunos com dificuldades de aprendizagem. Estes precisam de testes especiais, feitos com todo o cuidado. Mas, atenção: não se pode obrigar os alunos a aprender. Isso seria cruel e desumano. Em vez disso, prepara-se um espetáculo, com PowerPoints e "atividades dinâmicas" que acabam com a turma a ver TikToks.

Mais realisticamente, outra ocupação do professor é passar o tempo em reuniões intercalares, que acontecem dia sim, dia não, para avaliar tudo e todos, mas sem poder dizer nada de útil. Afinal a integração é mais importante que a avaliação. Se, milagrosamente sobrar tempo, o professor prepara aulas e dá aulas. Ah, e faz testes de (sub)avaliação com critérios de correção e avaliação que deverão estar alinhados com o PDF nº 828/24 de 786 páginas, emanado por especialistas em pedagogia, não de avaliação, mas sim de inclusão.   

No final, claro, todos os alunos passam com notas positivas. A ideia é "integrar", seja qual for a etnia, o esforço ou a realidade. O objetivo final é claro: manter as aparências e esperar que ninguém repare que o professor, coitado, já não sabe onde é que acaba o ensino e começa a terapia ocupacional.

E assim vai a vida do professor em Portugal: uma figura mitológica, com mil funções, sem glória e, se tiverem sorte, com um recibo de vencimento que dá para metade da renda da habitação que têm que alocar à sua profissão na transumância do ensino e pedagogia.


A Grande Farsa Final: No Fim, Todos Passam... Menos o Professor


Mas calma, não nos deixemos abater! Ser professor em Portugal é, afinal, um grande exercício de criatividade. Quem mais consegue fazer malabarismos com Excel enquanto dá assistência a um terapeuta ocupacional, arquiteta medidas educativas inclusivas para um aluno que se recusou a entrar na sala e ainda sorri na reunião de final de período? É quase um curso intensivo de stand-up comedy: o público — Ministério, diretores, colegas e alunos — ri-se o tempo todo, menos o professor. Afinal, só ele sabe que, no fundo, é uma espécie de influencer do caos, com uma plateia de 30 adolescentes e um roteiro que muda todos os dias, mas onde o final já está escrito: todos passam, menos ele, que continua preso ao nível zero da dignidade laboral e profissional.

Nota final que quase me esquecia: Devido à falta de tempo do Estado Central, Ministério da Educação e/ou da Direção da Escola, é o professor que tem a nobre missão e honra de colocar o logótipo da Nação nos documentos oficiais, caso não o faça, é um traidor da Nação. Mas mesmo nesse assunto, é um felizardo e privilegiado. O Ministério da Educação envia por e-mail 1 dúzia de logótipos e é ele que escolhe, consoante, o seu critério artístico e estético. 

Agora digam lá se ser professor em Portugal não é uma arte de sobreviver ao impossível?
     
Paulo Brites
2024.11.17



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