O Teatro da Informação: De Mussolini aos dias de hoje


O Teatro da Informação: De Mussolini aos dias de hoje


O Teatro da Informação: De Mussolini aos dias de hoje


É fascinante – no sentido em que um acidente de comboio é fascinante – ver como a comunicação social se tornou um espetáculo digno dos tempos áureos da propaganda. 


Uma espécie de teatro de fantoches onde os jornalistas, outrora cavaleiros do pensamento livre, agora esmeram-se na arte da bajulação (para não dizer ciganice, que hoje o racismo não perdoa) ou, quanto muito, na insinuação conveniente. Benito Mussolini, antes de se especializar na arte de marchar a direito para a desgraça, começou precisamente assim: de caneta na mão e ideias absolutas na cabeça.

Mussolini, recordemos, foi jornalista antes de ser o ícone fardado do supremo do ridículo. Sabia que a escrita tem um poder avassalador – muito mais eficaz do que quaisquer camisas-negras em formação cerrada. E, como qualquer homem esperto, percebeu rapidamente que não era preciso dizer a verdade, mas sim criar uma verdade. Que importava ao mundo real se a realidade podia ser escrita de novo, com adjetivos certos e vírgulas bem colocadas?


A arte de contar histórias convenientes ao poder


Hoje, temos uma comunicação social que age exatamente da mesma maneira, mas com uma sofisticação que faz corar de inveja qualquer propagandista do início do século XX. Não se trata de forjar factos descaradamente – isso seria demasiado grosseiro. Em vez disso, os jornais e as revistas transformaram-se em exímios malabaristas da narrativa. Não há necessidade de um Ministério da Verdade quando se pode criar uma realidade alternativa através da escolha do que se noticia, de como se noticia e, claro, do que se opta por não noticiar.

Tal como o jovem Mussolini, que começou como socialista/comunista inflamado antes de descobrir que o verdadeiro poder estava na transformação da ideologia em culto, os jornais modernos também perceberam que a imparcialidade é uma chatice sem grande retorno financeiro. Afinal, ter uma linha editorial bem definida e semear a discórdia rende mais cliques do que um aborrecido compromisso com a objetividade. A realidade é complexa e monótona, mas a narrativa certa, essa é eletrizante, fácil de vender e, acima de tudo, extremamente útil para os senhores do momento.

O mais irónico – e talvez o mais delicioso, se não fosse tão trágico – é que, ao contrário de Mussolini, que pelo menos tinha o mérito de assumir o seu autoritarismo com peito inchado, os nossos jornalistas modernos juram estar ao serviço da democracia. Espalham as suas verdades convenientes como se fossem um serviço público, enquanto marcham, sem precisar de botas ou de camisas negras, na mesma direção de sempre: a do poder.


Quando a verdade se torna apenas um detalhe descartável


Hoje, a comunicação social não informa – molda. Os factos são acessórios descartáveis num enredo onde a narrativa é a verdadeira protagonista. Não se trata de reportar a realidade, mas sim de fabricar uma versão emocionalmente envolvente e, claro, comercialmente rentável. A imparcialidade, essa qualidade aborrecida e antiquada, foi varrida do mapa, substituída por uma militância disfarçada de jornalismo.

A escolha das palavras, das imagens, das omissões estratégicas – tudo faz parte de um guião meticulosamente orquestrado. O que importa não é o que acontece, mas sim como se vende o que acontece. A manchete bem escolhida pode transformar uma irrelevância num escândalo nacional, enquanto um acontecimento crucial pode ser reduzido a uma nota de rodapé – ou ser convenientemente ignorado.


A censura de hoje não precisa de proibições, apenas de omissões estratégicas


O que antes era chamado de imprensa livre, agora, é um imenso megafone das conveniências do momento. Os jornais já não fiscalizam o poder; antes, colaboram ativamente com ele. São cúmplices entusiastas das narrativas que lhes garantem audiências, financiamentos e um lugar confortável na dança de interesses que define a atualidade. O jornalismo de investigação deu lugar ao jornalismo de insinuação, onde não é preciso provar nada – basta sugerir o suficiente para incendiar as redes sociais.

A ironia suprema é que tudo isto é feito sob o pretexto da liberdade e do serviço público. Enquanto Mussolini tinha de impor o seu discurso com baionetas e censura explícita, os jornalistas modernos fazem-no com palavras bem colocadas e uma indignação fabricada. O resultado é o mesmo: uma massa de leitores convencidos de que estão informados, quando na verdade apenas repetem aquilo que lhes foi servido, temperado com a dose certa de emoção e parcialidade.


O atual jornalismo é somente um espetáculo ideológico


Desta vez, não há necessidade de um ditador de bigode a gritar ordens do balcão de um palácio. Basta um telejornal bem produzido, uma manchete sugestiva e uma linha editorial bem alinhada. Até o “humor” goza com quem trabalha. O público faz o resto, acreditando, com a certeza dos ingénuos, que pensa por si próprio.


Paulo Brites
2025.03.08

Atualidade

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