O Grande Teatro da Política e do Jornalismo em Portugal
Ontem, na RTP1, assistimos a mais um dos grandes momentos do jornalismo nacional, aquela arte nobre de perguntar tudo menos o que interessa. Era suposto que a entrevista ao líder do Partido Comunista Português fosse sobre as eleições legislativas. Afinal, é isso que se espera de uma entrevista em tempo de campanha eleitoral, não?
Todos nós sabemos a posição do PCP sobre o tema Rússia-Ucrânia e sobre os restantes temas. Também todos nós sabemos que o PCP nunca diz aquilo que toda a gente sabe que eles pensam. E o jornalismo português nunca pergunta aquilo que realmente importa. Já se tornou um ritual.
Um ritual de perguntas inúteis
O problema não é só o PCP, nem só o jornalismo. O problema é este teatro de marionetas que se tornou a Política/Comunicação Social/Povo. Os políticos fingem que têm ideias novas, os jornalistas fingem que fazem perguntas relevantes e nós, os otários do costume, fingimos que ainda estamos a prestar atenção. No caso de ontem, os dois estiveram mal. Um não teve bem como jornalista e o outro, como politico, ainda esteve pior porque não respondeu de forma clara e seca (embora todos nós sabemos o seu pensamento) e com habilidade que se espera de um político, mudar o rumo da entrevista.
E assim segue a vida pública em Portugal: uma espécie de reality show mal produzido, onde ninguém é eliminado, mas todos deviam ser.
Políticos que não dizem nada, jornalistas que não perguntam nada
O mais engraçado—se não fosse trágico—é que já ninguém se dá ao trabalho de fingir que a política serve para alguma coisa. Antigamente, os partidos pelo menos tentavam enganar-nos com discursos empolgantes sobre o futuro. Agora nem isso. Hoje, a única preocupação dos políticos é não dizer nada que possa ser usado contra eles num qualquer debate. É a política do não dizer absolutamente nada com ar muito sério.
E os jornalistas? Ah, os jornalistas… outrora os cães de guarda da democracia, agora transformados em chihuahuas histéricos, correndo atrás da polémica do dia. O que se passou ontem na RTP1 é o perfeito exemplo disso: a oportunidade perfeita para discutir as propostas de um partido para as eleições transformada num interrogatório sobre um tema que já nem tem novidade. Queremos saber como o PCP pretende lidar com a habitação, com a inflação, com a saúde, com a justiça, com o ensino, com a segurança? Claro que não. O que interessa é arrancar do líder comunista um “Sim, somos agentes de Moscovo” para fazer manchete.
A mediocridade tornou-se regra
Mas sejamos honestos: esta falta de qualidade da política e da comunicação social não vem do nada. É um reflexo perfeito do estado geral do país. Portugal tornou-se um sítio onde a exigência desapareceu, onde se aceita a mediocridade como se fosse inevitável, onde a discussão política se resume a trocas de insultos nas caixas de comentários das redes sociais. Debate? Qual debate?
Repare-se, por exemplo, no nível dos debates eleitorais: são duelos de frases feitas, onde ninguém responde a nada e ninguém se compromete com coisa nenhuma. Nem mesmo têm pudor e até esquecem o seu passado. São exercícios de sobrevivência televisiva, não debates. O objetivo é simples: sair do estúdio sem ter dito nada de concreto que possa ser usado contra si num soundbite de 30 segundos. Já da parte da Comunicação Social o objetivo é conseguir, no fim do debate, uma mão cheia de frases e títulos para gerar confusão, desinformação e discussão nas redes sociais.
Um espetáculo sem propósito (ou com)
E depois admiram-se que as pessoas deixem de acreditar na política e na comunicação social. Mas o que esperavam? O eleitorado português foi tratado como idiota durante décadas, e surpresa, acabou por se conformar com o papel. Agora já ninguém exige seriedade, nem propostas concretas, nem nada. Basta um bom espetáculo e um vilão da semana.
Ontem foi o Paulo Raimundo e o José Rodrigues dos Santos. Amanhã serão outros. E assim seguimos, felizes e ignorantes, a caminho de lado nenhum.
Paulo Brites
2025.03.25
Atualidade - Politica
0 Comentários