Interioridades: A Terra Prometida das Feiras de Tralha
O Interior de Portugal é uma coisa maravilhosa: Sítios, Aldeias, Vilas e Cidades onde o som mais frequente é o eco das próprias paredes a gemer e presidentes de câmara que ainda acreditam que trazer um tal de Zé Amaro para cantar em playback é a fórmula mágica para o desenvolvimento regional.
Ano após ano, Lisboa (esse farol de egocentrismo e incompetência concentrada) olha para o mapa do país e encolhe os ombros: "Está lá? Está. Então está tudo bem." De vez em quando, para fingir que se importa, manda uma comitiva armada em missionários, carregada de promessas vagas e brochuras com imagens tão photoshopadas que fazem a Toscana parecer um bairro social. Mas não é só o poder central em Lisboa, são também os autarcas destas belas localidades, cheias de potencial mas que a sua incapacidade não consegue elevar.
Mas onde o Interior brilha mesmo — brilha como um candeeiro fluorescente numa tasca às três da manhã — é na arte de fazer feiras. Ah, as feiras. Não há mel, queijo, pão, chouriço, vinho ou castanha que escape à tentação de ser mal promovido.
O plano é simples: montar umas tendas, alinhar meia dúzia de mesas com panos de renda em cima, e misturar produtos locais de excelência com coisas absolutamente irrelevantes, como cintos de cabedal falsificado, brinquedos de plástico tóxico, mel com botas e botas com bolas de berlim e, os inevitáveis conjuntos de loiça lascada que ninguém quis herdar.
Entre mel com botas e bolas de Berlim
Fazer uma feira do mel, do queijo e do pão? Sim senhor. Mas em vez de transformar isso numa experiência sensorial de sabores únicos, de terroirs distintos, de saberes milenares... não. Serve-se mel em frascos de vidro de marca branca com etiquetas mal coladas e, já agora, oferece-se um brinde: um funil de plástico para despejar a tristeza.
A culpa? É de todos. Do poder central, que se lembra do Interior uma vez a cada quatro anos (e sempre para prometer uma estrada nova que nunca passa da rotunda), mas também dos autarcas, que confundem tradição com amadorismo, orgulho local com desleixo, e cultura com uma barraca a vender porta-chaves de croché.
Não basta querer fazer um evento. É preciso querer fazer bem. Fazer uma feira onde o queijo seja tratado como arte, o mel como poesia, o pão como o mais importante do património imaterial de uma região e, o visitante como alguém que merece mais do que uma bifana ressequida e um folheto mal impresso a preto e branco.
A ilusão anual da mudança que nunca vem
O Interior não precisa de mais feiras de tralha. Precisa de eventos que sejam convites irresistíveis: a voltar, a investir, a viver, a gerar riqueza e mais-valias para uma região. Precisa de amor-próprio. De ambição. De acreditar que o que é bom merece ser mostrado com orgulho — e não escondido debaixo de três camadas de barraquinhas de artesanato duvidoso.
Até lá, continuaremos a ir às feiras comer massa frita, comprar mais um par de meias sem elasticidade, e prometer (como sempre) que para o ano é que vai ser diferente.
Depois admiram-se que o Interior fique cada vez mais interior. Que a única coisa a crescer seja o mato. Que os jovens fujam e só voltem em agosto, para as festas da terrinha e, claro, para comprar um par de botas porque são da minha terra.
Como fazer do Interior um lugar onde se queira viver
Talvez um dia percebam que o futuro do Interior não é vender o que sobra, não é transportar as pastelarias e lojas locais para um recinto que deveria ser um espaço de promoção de toda a sua região, de atrair visitantes e negócios para que se desenvolva, cresça, para que gere riqueza, oportunidades e que os jovens digam: Vale a pena viver na minha terra, porque aqui consigo viver! Acima de tudo, mostrar o que vale.
Até lá, vamos lá comer um queijo meio seco, uma bifana em papo-seco, porque embora também seja a feira do pão (... e que pão existe na região! Talvez o melhor do mundo!) mas o papo-seco é mais fácil de trabalhar e, comprar um bibelô partido, um porta-chaves em croché e claro, umas botas. É a tradição.
Ah, já me esquecia, beber a inevitável ginjinha … em copo de chocolate!
NOTA: Nem tudo é assim felizmente, ainda existem exceções, mas poucas!
Paulo Brites
2025.04.26
Sociedade
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