Democratas de Vento e Verniz

 
Democratas de Vento e Verniz


Democratas de Vento e Verniz


Estamos em campanha eleitoral, essa quadra mágica em que os portugueses fingem que estão a escolher livremente enquanto os partidos fingem que têm ideias novas. E nada é mais português — ou mais moderno — do que ver apoiantes de partidos que se dizem “os guardiões da democracia” a insultar os eleitores dos outros partidos, com um fervor democrático que faz corar qualquer comício do PREC.


Existe pois, uma nova estirpe de democratas em Portugal — são tão democráticos, mas tão democraticamente democráticos, que qualquer divergência de opinião os obriga, com enorme pesar e desgosto, a chamar-te fascista, burro, ou (pior ainda) eleitor de um partido “errado”. Gente que ama a liberdade... mas só quando a liberdade decide votar como eles. Que adora o pluralismo... desde que todas as vozes plurais digam exatamente o mesmo que eles já estavam a pensar dizer antes de alguém lhes roubar a ideia.

Estes cruzados da democracia — autênticos Dom Quixotes do comentário nas redes sociais — acordam todos os dias com uma missão: salvar a democracia daquelas criaturas horrendas que ousam votar de maneira diferente. Dizem-se “de esquerda”, “progressistas”, “centristas responsáveis” ou até “liberais com coração” — mas quando se vê o comportamento, cheira mais a inquisidores com um MBI em superioridade moral.


Pluralismo, Mas Só à Segunda-Feira


Os eleitores de partidos adversários não são apenas “pessoas com outras prioridades”, não. São ignorantes, analfabetos políticos, e — Deus nos livre — pessoas das terras pequenas. Pobres coitados. Votam mal porque não têm acesso à “verdade”, que por acaso é sempre a verdade dos democratas puros, os que leem dois artigos por mês na comunicação social e partilham infográficos nas redes sociais com frases atribuídas sei lá a quem, na sua maioria, totalmente alteradas e manipuladas.

Os partidos do arco da virtude (sim, agora temos esse também — já não basta o da governação) adoram dizer que são pela liberdade, pluralismo, diálogo, debate. Mas quando aparece alguém a dizer: “Olhem que se calhar vou votar noutro”, salta-lhes logo o chip de missionário. A pessoa passa a ser um ignorante, um extremista, um pobre manipulado — ou, mais popular ultimamente, um populista, seja lá isso o que for. Populista hoje é como se dizia “mouro” na Idade Média: um insulto cómodo para os que não pertencem ao nosso clube de iluminados.

Vejam bem o panorama: temos eleitores de partidos que se dizem centristas (mas só se for o centro deles, claro) de esquerda (que para saberem o que é, temos que lhe oferecer uma formação académica), de direita (porque lhe estão a roubar acentos parlamentares) ofendidíssimos porque há gente — imagine-se! — a votar no Chega. Ou no Livre. Ou no Bloco. Ou no CDS ressuscitado à pressa. O pecado não é o voto: é o atrevimento de votar mal.

E o melhor é quando os “democratas de bandeira e cravo ao peito” passam a campanha a dizer que o Chega é uma ameaça à democracia... e que por isso devia ser proibido. Fecham os olhos com tanta força ao pluralismo que ainda apanham conjuntivite democrática.


Debates ou Lutas de Lama com PowerPoint


E os debates? São uma espécie de reality show com menos glamour e mais ressentimento. Em vez de ideias, trocam-se acusações. Em vez de projetos, fazem-se powerpoints morais. Tudo muito democrático, claro. Mas só se for na sua versão higienizada: sem extremos, sem zanga, sem povo a mais.

Porque a verdade é esta: os que mais berram por democracia são muitas vezes os que menos a suportam quando ela corre mal. Quando o povo decide mal — ou seja, quando decide por ele próprio. É aí que o verdadeiro democrata se revela: não aquele que aceita a diferença, mas o que a abomina e a rotula de “perigo para a liberdade”.

Não se iludam. Não se trata de amor à democracia. Trata-se de falta de argumentos. E como dizia um velho ditado que inventei agora: quem não tem razão, grita mais alto — de preferência com hashtags.


Guardiões da Liberdade (Desde que Concordes)


E por que atacam tanto os outros partidos e os seus eleitores? Porque os argumentos, meus caros, estão de férias. Fugiram. Foram à praia com os neurónios. O que sobra é espuma moral, aquela coisa branca e barulhenta que parece importante mas desaparece ao primeiro mergulho sério numa conversa.

É que defender a democracia com argumentos dá trabalho. É preciso ler, escutar, perceber contextos. Muito mais fácil é berrar “fascista!” a alguém que só disse que gostava de outro líder político. Muito mais reconfortante é pintar os outros de preto e branco e depois gabar-se de como se é colorido e tolerante.

Mas atenção: não os contrariem. Porque, se o fizerem, irão descobrir que há poucos democratas mais iliberais do que um democrata quando alguém ousa não concordar com ele.


Paulo Brites
2025.05.04


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