Sento-me à mesa como quem espera alguém que já não vem. A tua cadeira está vazia, mas a tua presença, está em tudo. No silêncio da sala, no peso da terra que me ensinaste a amar. Pego no copo de vinho, olho-o a brilhar sob a luz e penso: o que dirias se ainda aqui estivesses?
Sabes que o Lusitano de Évora chegou aos oitavos da Taça? Parece coisa inventada, mas é verdade. Lembrei-me de ti, das tardes em que me falavas de outros tempos, de outras glórias, sempre com aquele brilho nos olhos.
Este ano também, o vinho é bom, pai. Dizem que o calor e a chuva deste ano foram generosos, e eu acredito. É um pouco como Portugal: às vezes dá-nos tanto que até esquecemos as feridas que nos deixa. Nas grandes promessas que nunca chegam. Como tu amavas esta terra.
Até no dia em que morreste quiseste lembrar-nos. Primeiro de Dezembro, o dia da Restauração. Como se tivesses escolhido a data de propósito, um gesto teu para dizer: não se esqueçam de quem são. Mas esquecemo-nos, pai, esquecemo-nos tantas vezes. Dizemos que amamos Portugal, mas não sabemos cuidar dele. É um amor estranho, o nosso, um amor que dói e que fica calado, como quem tem vergonha de sentir.
Tu olhas-me, sei que estás a ouvir, mas não dizes nada. O vinho na mesa, a cadeira vazia, o Lusitano de Évora nos oitavos, os políticos que nunca se calam e que nunca dizem nada. És a memória que não me larga, o fantasma que me ensina a amar este país, mesmo quando ele parece impossível de amar.
Hoje é o teu dia, pai, o dia de Portugal, o dia em que tu partiste e, talvez, o dia em que nunca foste tão presente. És Portugal, pai. Ainda és. Na ausência, na saudade, no vinho, no futebol do Lusitano, nos campos do Alentejo, na terra que amaste mais do que a ti próprio. Se pudesse, ergueria um brinde contigo agora, a esta terra que é tua e que nunca deixará de o ser.
Paulo Brites
2024.12.01
Efemérides - Alentejo
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